Briga pela Warner: Quais são as diferenças entre as propostas de Netflix e Paramount?

Às vezes, nem a melhor das ficções consegue superar a realidade. É o que estamos vendo agora, na disputa entre Netflix e Paramount Skydance pela Warner Bros. Discovery — uma briga que deixaria qualquer roteirista com inveja. Mas há um problema: está difícil para o público entender os detalhes dessa trama.

É que, entre ofertas hostis e entrevistas para Wall Street, as propostas se mostram bem diferentes — e isso muda o que fãs, consumidores e o público em geral vão ver nas telas nos próximos anos.

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Por exemplo: os filmes da Warner vão seguir nos cinemas? A HBO continuará existindo? E, claro, a pergunta principal: o que vai acontecer com o Batman? (brincadeira).

A resposta depende muito de quem vencer.

A proposta da Netflix: US$ 82,7 bilhões

O discurso da Netflix tem um tom quase conciliador — e muito calculado. A empresa se esforça para parecer a guardiã do legado da Warner Bros., como se estivesse chegando para cuidar de uma herança delicada.

Sede da Netflix em Hollywood: a empresa mudou o entretenimento com o streaming de vídeo
Sede da Netflix em Hollywood: a empresa mudou o entretenimento com o streaming de vídeo (Imagem: divulgação / Netflix)

Antes dos detalhes, a lógica geral é essa: a Netflix promete manter o que já funciona, integrar o que faz sentido e usar sua escala e tecnologia para destravar coisas que hoje estão paradas no catálogo da Warner. É uma narrativa pensada tanto para Hollywood quanto para políticos.

O que aparece na oferta deles:

  • HBO continua HBO — Ted Sarandos, co-CEO, repete que a marca “funciona por si só” e não seria absorvida ou diluída. A mensagem é clara: aquela identidade premium não desaparece se depender deles. Além disso, eles defendem que a HBO funciona melhor sem a pressão recente por um apelo mais generalista. Ou seja, querem mais “Game of Thrones” e “The Sopranos”, menos “It: Bem-Vindos à Derry”. 

  • HBO Max não faz parte do futuro — Apesar da Netflix e seus executivos citarem a HBO várias vezes, o HBO Max nunca aparece. Isso não é descuido: a empresa trata a marca como iniciativa criativa, não como plataforma. No longo prazo, tudo indica que o catálogo e as produções que hoje estão na HBO Max vão parar dentro da própria Netflix, enquanto a marca HBO vira um selo interno.

  • Cinema preservado — a empresa insiste que não comprou a Warner “para destruir valor”, e que isso inclui manter a janela de cinema. Contudo, Ted Sarandos já afirmou que períodos de exclusividade longa na telona não são ”amigáveis ao consumidor”. Na prática: filmes como “Duna 3”, “O Batman 2” e tudo que vem depois seguem estreando no cinema antes do streaming, mas esse período será muito mais curto do que os três a seis meses que vemos hoje.

  • Catálogo mais vivo — Greg Peters, o outro co-CEO, fala em “conectar histórias e pessoas”, sugerindo que o algoritmo da Netflix pode dar uma vida nova a produções que hoje ficam escondidas na HBO Max. É a ideia de que a Warner produziria e a Netflix garantiria alcance global.

  • Sinergias menores — nos documentos mais recentes, eles estimam US$ 2 a 3 bilhões em sinergias. É pouco perto da concorrência. O recado é que o impacto interno seria mais suave e sem grandes cortes criativos.

  • TV por assinatura — A Netflix quer adquirir apenas a divisão de estúdios (cinema e TV) e o streaming HBO Max. O restante, incluindo a CNN, Cartoon Network, TNT, Discovery Channel e afins, será transformado em uma nova companhia pública com ações negociadas na bolsa, chamada Discovery Global.

  • Oferta viável — a Netflix não tem caixa para pagar tudo em dinheiro — e não esconde isso. Mas tem quase US$ 9,5 bilhões disponíveis, fluxo de caixa robusto e construiu uma oferta que distribui o peso entre dinheiro, ações dela mesma e ações da divisão linear da WBD. É menos glamouroso e uma enorme engenharia financeira, mas faz sentido.

  • Por fim, o Batman — Os direitos do personagem continuam exatamente onde estão hoje: dentro da DC Comics, que por sua vez segue sendo uma divisão da Warner Bros. A compra não altera isso. O que muda é o “clima” em volta da marca. A Netflix fala muito sobre revitalizar catálogos, dar visibilidade global, organizar universos narrativos e usar dados para encontrar público. Isso inclui a DC. 

  • E toda a DC? — Não existe, em nenhum documento ou fala, qualquer menção a “rebootar” a editora ou mexer em sua estrutura autoral. A prioridade deles é outra: fazer com que personagens como o Superman — que já são gigantes — funcionem melhor no longo prazo em cinema, TV e streaming.

A proposta da Paramount: US$ 108,4 bilhões

Após ver as conversas com a direção da WBD fracassarem, a Paramount (do bilionário David Ellison) aumentou o tom de voz: é direta, agressiva e não tenta esconder que está falando com acionistas – não com fãs, Hollywood ou sindicatos. Afinal, provavelmente pensam que já contam com esse apoio.

É um contraponto ao estilo mais diplomático da Netflix, e a WBD disse que vai analisar a oferta em dez dias úteis.

Bronson Gate, a entrada dos estúdios da Paramount em Hollywood
Bronson Gate, a entrada dos estúdios da Paramount em Hollywood (Imagem: reprodução)

A lógica é simples: eles dizem que conseguem aprovar o negócio, entregar dinheiro agora e não criar um monstro regulatório.

  • Pagamento em dinheiro — a proposta é de US$ 30 por ação, integralmente em dinheiro. Para o acionista comum, isso costuma ser o argumento mais convincente possível.

  • De onde vem o dinheiro — A Paramount deixa bem claro de onde sairia o cheque: a oferta de US$ 108,4 bilhões é sustentada pelo Ellison Family Trust (o mesmo que controla boa parte da Oracle), acompanhado pela RedBird Capital, e por um pacote de financiamento estruturado por BofA, Citi e Apollo. A proposta bate forte na ideia de que eles têm caixa garantido, justamente para afastar o rumor de que a compra dependerá de fundos soberanos árabes – que não são mencionados em nenhum momento.

  • Pacote completo — A proposta da Paramount é por toda a Warner Bros. Discovery, incluindo o canal de notícias CNN. 

  • Sinergias grandes — US$ 6 bilhões. Não falam muito além disso, porque não precisam. Todo mundo sabe o que significa: fusão de operações, sobreposição reduzida, muito corte de custo. Ah, sim: muitas demissões, também – como já foram feitas na própria Paramount neste ano. É o caminho clássico do setor.

  • Filmes continuam nos cinemas, mas com outro ritmo — A Paramount não promete grandes revoluções. No modelo deles, a Warner segue lançando seus títulos nas telonas — é o que faz sentido para quem depende da bilheteria para equilibrar as contas. É cinema porque precisa ser cinema, não porque querem defender o ritual – ainda que isso seja mais apelativo para a comunidade criativa.

  • Franquias ficam, mas mais controladas — “Batman”, “Harry Potter”, “Looney Tunes”, “Invocação do Mal”… tudo isso continua existindo, claro. Mas, dentro de uma proposta que fala em bilhões de dólares em sinergias, o recado indireto é que as franquias passam a ser tratadas com mais disciplina de custo. Menos experimentação, menos dispersão, mais previsibilidade.

  • O catálogo vira uma peça financeira, não criativa — A Paramount não faz grandes discursos sobre “destravar valor global” ou “conectar histórias e pessoas”, como a Netflix. Eles tratam o catálogo como ativo estratégico dentro do Paramount+ e como munição de longo prazo. A lógica é manter o que dá retorno e reorganizar o resto.

  • Fim da HBO Max — Diferente da Netflix, que evita falar da HBO Max, a Paramount nem precisa: na proposta deles, não faz sentido manter dois apps. Um deles seria o destino natural de tudo, ou ainda a substituição de ambos por um novo streaming. É a integração mais previsível — e a mais radical.

  • Regulação mais fácil — e aqui eles são bem explícitos. A proposta lista senadores, sindicatos e até diretores que se opõem à compra pela Netflix. A mensagem é que eles enfrentariam menos resistência em Washington porque são uma empresa de mídia comprando outra empresa de mídia.

  • Integração mais tradicional — a versão deles de “salvar a Warner” é mais financeira: organizar a casa, cortar excesso, integrar operação e tentar competir melhor com gigantes como YouTube, Amazon e Disney. É menos romântico.

  • E o Batman? — Toda a DC – incluindo o Cavaleiro das Trevas – existiria na nova gestão, mas sob a mesma lógica de qualquer outro IP: o que dá retorno continua; o que não dá é reajustado. Isso não significa o fim do Batman, mas talvez um herói menos ousado e mais previsível. Para o acionista, ótimo. Para o fã, depende.

O que está realmente em jogo com a Warner

Essas duas ofertas contam histórias completamente diferentes sobre o futuro de um dos estúdios mais importantes do Ocidente. 

A Netflix imagina uma Warner que continua lançando filmes no cinema, mantém a HBO como símbolo de qualidade e ganha alcance global graças à tecnologia e ao volume de assinantes. É uma visão que atende fãs, criadores e o imaginário da indústria.

Contudo, também é a proposta que enfrenta mais obstáculos políticos e regulatórios, especialmente em um governo Trump que não é exatamente simpático à empresa.

A Paramount, por outro lado, oferece um caminho mais rápido e mais previsível. Não promete preservar cultura, não promete manter tudo como está – apenas que a conta fecha, que o valor financeiro aparece e que a Warner volta a competir de forma mais organizada.

É um plano mais simples e, curiosamente, pragmático — e, por isso mesmo, provavelmente mais fácil de aprovar.