Nesta semana, The Information trouxe que o canal de assinatura da Apple, chamado Apple TV+, estaria no vermelho – com um prejuízo de um bilhão de dólares por ano (na casa de R$ 5,72 bilhões).
De acordo com o veículo, o gasto com conteúdo está em US$ 4,5 bilhões (R$ 25,7 bilhões) anuais. Seriam cerca de 45 milhões de assinantes em todo o mundo. A companhia liderada por Tim Cook não divulga oficialmente esses números.
Não foram dados detalhes de como a conta do prejuízo foi feita, mas imagino que trata-se de uma aritmética simples: quanto entrou por assinaturas em um ano, menos o quanto foi despendido.
Curiosamente, os dados se tornaram públicos após uma recente entrevista do co-CEO da Netflix, Ted Sarandos, no qual comentou sobre a estratégia da concorrente no streaming. Para a Variety, o executivo disse que “não entendo isso além de uma jogada de marketing, mas eles são pessoas realmente inteligentes. Talvez eles vejam algo que nós não vemos”.
Frango assado
O que será, então, que a Apple quer que nem a Netflix consegue ver? Para começar, trata-se mesmo de uma ação de divulgação. E tem total relação com o frango.
Nos Estados Unidos, grandes redes de supermercado oferecem frango já assado por um preço baixo para os seus clientes, valor que não subiu mesmo com a inflação dos últimos anos. Em redes como Target, sai por US$ 5,99 (R$ 34). Na Costco, US$ 4,99 (R$ 28,60).

O canal Weird History Food fez uma ótima explicação do porquê disso em um vídeo no YouTube, mas, basicamente, os varejistas usam o alimento pronto para atrair consumidores. Cada unidade vendida dá prejuízo, já que o valor da etiqueta é menor que o custo de produção. Contudo, os compradores vão ao mercado para garantir o jantar e, nesta visita, acabam comprando outros itens. No âmbito geral da compra, o estabelecimento fica no azul.
O mesmo ocorre acontece com outros produtos em diversos países, incluindo o Brasil.
Atraindo consumidores por meio do Apple TV+
Obviamente, a Apple não é um mercadinho. Ou é?
Em seu mais recente balanço, a empresa informou uma receita trimestral de US$ 124,3 bilhões (R$ 710,5 bilhões). A maior parte disso vem da venda de iPhones, que representam 55,6% do total.
Contudo, smartphones são dispositivos caros, que as pessoas trocam apenas depois de dois, três, quatro anos. É preciso monetizar essa base durante esse período.
Mais uma vez, isso é algo que o pessoal de Cupertino faz muito bem. O segmento de serviços já representa o segundo maior faturamento da companhia, com 21,3% de todo o dinheiro que entrou no último trimestre de 2024. Aqui entram assinaturas como iCloud+ e Fitness+, além da comissão da Apple sobre vendas dentro de apps, compras de filmes na Apple TV e, claro, assinaturas do Apple TV+.
É mais, por exemplo, do que arrecadado com Macs (7,2%), iPads (6,5%) e o setor de wearables (aqui entra o Apple Watch), casa e acessórios (9,5%).
Acontece que nem sempre é fácil convencer o usuário de que ele precisa pagar por app de exercícios, ou que ele precisa fazer backup das fotos (apesar da empresa se esforçar bastante para esse último ser necessário). Para piorar, na União Europeia a companhia já foi obrigada a aceitar outras lojas de aplicativos em seu celular, dando opção para o consumidor “pagar por fora”.
É aqui que entram os gastos com conteúdo.

Criar um fenômeno cultural como “Ruptura” e “Ted Lasso” traz mais pessoas ao TV+. Afinal, bom conteúdo (com marketing bem-feito) se vende. Com a assinatura realizada, o usuário está a um passo mais próximo de ser fidelizado em outros serviços, ou de fazer outras compras dentro do ecossistema.
Acontece que fazer fenômenos culturais é um tiro no escuro – e custa caro. Neste caso aqui, os US$ 4,5 bilhões por ano.
De um ponto de vista estritamente artístico, funcionou. O CEO Tim Cook comentou em janeiro que as séries e filmes da casa já somam 2.500 indicações em premiações, com 538 vitórias.
A conta fecha?
De fora, fica difícil entender se a estratégia realmente se paga, mas é possível acreditar que o sucesso de uma série faz o usuário de um dispositivo Apple mais propenso a compartilhar os dados de cartão de crédito e, em seguida, consumir mais. Dá até para assinar um “pacotão” com todos os serviços, chamado Apple One.
A empresa fundada por Steve Jobs certamente está de olho nos custos e fazendo ajustes. O próprio The Information revela que, em anos anteriores, o gasto com conteúdo tinha sido maior, na casa dos US$ 5 bilhões. A companhia também repensou a estratégia de lançar filmes no cinema, provavelmente pelo mesmo motivo.
No último trimestre de 2024, a dona do iPhone gastou US$ 2,94 bilhões (R$ 16,8 bilhões) com aquisição de propriedades, plantas e equipamentos. Já as despesas com pesquisa e desenvolvimento (P&D) foram de US$ 8,268 bilhões (R$ 47,21 bilhões). Enquanto isso, a Apple gerou US$ 391 bilhões em receita (R$ 2,23 trilhões) e registrou um lucro líquido de US$ 93,7 bilhões (R$ 535 bilhões) no ano fiscal encerrado em setembro de 2024.
Como vemos, “perder” um bilhão de dólares é “money for pinga”, como (nunca) diriam os gringos. Ou, como eu diria, se chama “investimento”.
A grande dúvida é se Tim Cook e companhia estão realmente dispostos a ver o TV+ como algo além do marketing. Isso vai impactar não só a longevidade do serviço, mas também os próximos passos – incluindo licenciamento de conteúdo.