Qual é o impacto da gentrificação na nossa cultura? E como a Rua Augusta, em São Paulo, virou um retrato vivo desse processo?
No UOL, o Rodrigo Ramos mostrou como a especulação imobiliária transformou a região, fazendo desaparecer muitos bares, baladas e espaços culturais alternativos.
É algo que vejo todos os dias.
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Conheci São Paulo no começo dos anos 2000 e logo me encantei pelo trecho que hoje chamam de “Baixo Augusta”. Era o puro suco da cultura underground urbana: um misto das dificuldades sociais com uma energia pulsante. Cortiços, bordéis, bares, cinemas, teatros, sebos, lojas, coletivos… tudo lado a lado, na mesma calçada.
Sem querer romantizar o abandono ou soar nostálgico, aquela mistura se tornou um símbolo do crescimento da cidade – pelo lado bom e pelo ruim. Merecia políticas públicas que respeitassem essa pluralidade, cuidassem dela e das pessoas.
Spoiler: não foi o que aconteceu.
Mudei pra cá em 2006. Em 2009, comprei meu primeiro apartamento na Rua Frei Caneca, paralela à Augusta. Quase na mesma época, veio um marco que mudaria tudo.
O lançamento do primeiro empreendimento “moderno”, com apartamentos compactos, na Rua Paim – até então vista como degradada, cheia de cortiços e com dois prédios emblemáticos, o 14 Bis e o Demoiselle (que merecem um post só deles). Os preços eram considerados bons, a demanda foi enorme e todas as unidades se esgotaram em poucas horas.
Ali as construtoras perceberam a oportunidade: terrenos baratos em uma área considerada problemática, mas ao lado do Metrô, da Paulista e com infraestrutura invejável.
Começava a corrida por prédios com apartamentos cada vez menores e metro quadrado altíssimo. Vieram pressões por mudanças em leis e regulamentações, compras em massa de terrenos e a demolição de parte da história do Baixo Augusta. As crises que se seguiram e, depois, a pandemia, só aceleraram o processo. Muitos que viviam aqui foram embora; outros, de perfis diferentes, chegaram, alimentando esse ciclo.
Já visitei estandes de vendas desses lançamentos por curiosidade – e a maioria dos compradores eram investidores.
Quem vive ou frequenta a região percebe claramente a mudança. Quem não se enquadrou à gentrificação, foi expulso – e não ajudado. O que se perdeu foi a diversidade: os espaços plurais foram dando lugar a opções mais homogêneas, como bares gourmetizados. A região segue viva, mas menos múltipla.












Perdemos também construções que contavam a nossa história por meio de seus tijolos. Nosso passado é apagado.
A cultura é outra que sofre com isso. E nem precisa ser tão underground: o Espaço de Cinema, por exemplo, há anos enfrenta ameaça de despejo do seu anexo, que abriga salas de exibição, uma charmosa cafeteria e diversas iniciativas culturais.
O urbanismo também é cultura. Precisamos de cidades que consigam crescer sem apagar sua memória, com políticas públicas de preservação. Sem gentrificação.
No fim, a pergunta é: que cidade queremos para o futuro?