Renan Martins Frade entrevistando LeVar Burton (La Forge) e Brent Spiner (Data) sobre 'Star Trek: Picard' para o Omelete

Por que não envio perguntas antes de uma entrevista

Eu recuso pedidos para enviar perguntas antes da entrevista.

Entro um pouco atrasado na discussão entre jornalistas de redação e o pessoal da comunicação corporativa (vulgo “assessoria de imprensa”, embora eu não goste muito desse termo – assunto para outro post). Mas, como alguém que sempre circulou pelos dois lados, acredito que tenho lugar de fala nesse debate. E resolvi colocar mais uma pimenta na conversa.

É muito comum que assessores me peçam as perguntas antes da entrevista. Confesso: isso me incomoda. Ultrapassa um certo limite.

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Sou bastante transparente sobre a abordagem que pretendo dar ao assunto. Não se trata de esconder a pauta. Mas compartilhar as perguntas exatas pode acabar comprometendo justamente o que é essencial: a independência e a imparcialidade do trabalho jornalístico. Além disso, abre espaço para o entrevistado tentar direcionar a cobertura.

Sem falar nos casos em que o porta-voz quer ver as perguntas apenas para decidir se vai ou não aceitar o convite para a entrevista. Isso não tem nada a ver com transparência na comunicação.

Ao pedir perguntas antes para “autorizar” ou “preparar” a fala, a fonte (ou o assessor) passa a ditar a lógica da conversa, quando deveria ser o contrário: o repórter conduz com base no interesse público e na apuração. Isso pode, ainda que sutilmente, transformar o jornalista em uma extensão da assessoria. Há um risco da reportagem virar peça de marketing – algo que o jornalista, claro, não quer. Nem a sociedade. 

Muita gente esquece que a entrevista não é o produto final, mas um dos elementos da apuração. Ao tentar transformar a entrevista em um “evento” controlado, a fonte ignora que o repórter ainda pode — e deve — ouvir outras fontes, cruzar informações e investigar. Pedir as perguntas antes ignora esse contexto.

Mesmo quando nada disso acontece, perde-se algo que considero fundamental: a autenticidade. Raramente sigo totalmente o roteiro que eu mesmo preparei, já que as respostas vão moldando minhas questões. Há espaço para reações genuínas e informações inesperadas.

Como vou compartilhar uma lista de perguntas que nem eu sei se vou seguir?

Agora, se a fonte se arrepender de uma declaração e quiser mudar uma resposta ou adicionar informações, não tem problema. Erros acontecem, assim como mudanças de opinião. Contudo, reservo o direito de registrar as duas versões, caso isso seja de interesse jornalístico. 

Sei que muitos profissionais de comunicação enfrentam resistência ao tentar explicar isso para seus porta-vozes e clientes. Se esse for o seu caso, compartilhe este post com eles. Vamos melhorar essa relação.

Ah, sim: tudo isso vale para entrevistas presenciais ou por videochamada. Claro que existem situações em que a entrevista acontece por escrito, por e-mail. Também não sou fã, mas esse é tema para outro momento…

Na imagem de destaque: eu em entrevista com LeVar Burton (La Forge) e Brent Spiner (Data) sobre “Star Trek: Picard” para o Omelete.