No fim de semana, um post do Alexandre J. no LinkedIn me fez lembrar como era o jornalismo digital em 2010. Eu sei bem como foi, eu estava lá. E talvez seja hora de resgatar — ao menos em parte — a forma como os jornalisas pensavam naquela época.
A internet já existia, assim como as redes sociais, o Google e até a Wikipédia – ou seja, já não era mais a época da Barsa, e as pessoas estavam a um clique de distância. Ao mesmo tempo, havia menos dependência das big techs para a entrega de conteúdo. Com maior controle sobre isso, nós, jornalistas, podíamos ser menos reféns do clickbait e mais focados na informação – ainda que a tática já desse as caras por aí.
➔ Leia também: Compra da NZN pelo Estadão sinaliza nova fase da mídia brasileira
Fake news ainda se chamava simplesmente de “mentira” e não era um negócio lucrativo para tanta gente, seja com anúncios ou ganhos políticos e econômicos.
Os cérebros não estavam “fritos” pelo doomscrolling a ponto de não conseguirem prestar atenção em nada que não conquistasse a curiosidade em três segundos. As pessoas até liam mais, veja só!
Você, leitor, ainda abria o site de notícias pela manhã. Hoje, talvez nem lembre qual foi a última vez que entrou em um deles.
Obviamente, 2010 não foi um “ano de ouro”: naquela época já havia crise de modelo de negócio, redações cortando custos e uma enxurrada de press releases virando notícia. Foram tomadas muitas decisões erradas. Quase tudo era feito na correria. Os passaralhos (como dizem hoje, layoffs) estavam se tornando comuns. Ou seja, o problema já existia, só estava em outra camada.

Havia também pressão nas redações para publicar muito com equipes enxutas. Mas não existia inteligência artificial para terceirizar a pesquisa (errada) nem para padronizar os textos até todos parecerem iguais. O SEO era praticado, mas não era uma tática quase militar, capaz de decidir sozinho o sucesso ou fracasso de um site. As redes sociais tinham feed cronológico, então algoritmos não eram uma preocupação.
A apuração, ainda que fragilizada, aparecia mais. Já tínhamos ferramentas digitais para checar informações, o que ajudava bastante.
De lá pra cá, o jornalismo declaratório só cresceu, e as colunas de opinião – com títulos fortes, chamativos, mas muitas vezes sem checagem ou o famoso “ir pra rua” pra furar bolhas – passaram a dominar as capas dos sites.
O ponto é: infelizmente, a maioria dos veículos e dos jornalistas aceitou e reforçou uma realidade em que as grandes empresas de tecnologia ditam as regras do jornalismo, moldando o conteúdo de acordo com isso. O resultado é um mundo quase distópico, que “é muito Black Mirror”, como se diz por aí.
Não é nostalgia barata, nem um desejo de voltar a 2010. Muitos avanços, bons ou ruins, vieram para ficar. Existem canais inteiros de TV totalmente pelo YouTube, de forma independente, por exemplo. Hoje é possível produzir muita coisa de qualidade com menos tempo e recursos, A inteligência artificial ajuda, sim, mas exercitar o raciocínio continua sendo essencial.
Só que o ritmo insano dos anos 2020 já dá sinais de fadiga – e muita gente deve simplesmente decidir descer desse trem-bala. Sem falar que a IA está entupindo nossos feeds (e a nossa vida) de conteúdo de baixa qualidade.
A solução continua sendo a velha inteligência humana, usando a tecnologia como apoio.
Como a gente fazia lá em 2010…