Por que a Fórmula 1 escolheu a Apple TV, mesmo com menos público?

Há alguns meses, a Fórmula 1 preteriu propostas de Band e Record para fechar com a Globo, mesmo recebendo menos. Na época, expliquei que o grupo carioca permitiu à categoria ampliar seu público, inflar números globais e tirar mais dinheiro de anunciantes, além de manter o interesse de equipes e fabricantes.

Contudo, no último fim de semana, a F1 fez o oposto nos Estados Unidos. Abriu mão de uma oferta menor da ESPN/Disney para receber mais da Apple – que tem alcance mais reduzido.

Uma contradição? Um erro de análise meu? Nem um, nem outro.

 Leia tambémNetflix + Spotify: podcasts em vídeo viram peça-chave no streaming

É importante notar que a categoria não tem o mesmo nível de popularidade em todo o mundo. Nos EUA, segundo a Nielsen, os GPs deste ano têm média de 1,36 milhão de pessoas – quase o mesmo que a IndyCar, mas bem abaixo dos 2,4 milhões da Nascar. A NFL? Mais de 18 milhões. É outro planeta.

Ainda assim, a Fórmula 1 cresce nos EUA — cerca de 11% só neste ano. Ok, as mudanças na medição da Nielsen ajudam, mas é ainda efeito da Netflix, com Drive to Survive, ponto de descoberta do esporte para uma nova geração, inclusive mulheres. Isso sem falar em três GPs no país e a entrada de uma segunda equipe norte-americana em 2026.

A Liberty Media, dona da categoria, poderia aproveitar o momento para voos maiores – talvez uma volta à TV aberta. Mas será que essa oferta existia? Além disso, em um mercado mais maduro, os mais jovens já não estão mais no broadcast.

Anúncio da parceria entre Apple e Fórmula 1
Anúncio da parceria entre Apple e F1 (Imagem: divulgação / F1)

Eu, talvez, teria escolhido a ESPN. Disponível em cerca de 70 milhões de lares, o canal virou um streaming próprio e a F1 teria companhia de esportes de peso, inclusive a NFL. Todavia, o Mickey também vive suas incertezas nos bastidores.

Já a Apple TV não divulga números – só disse, na última semana, ter “substancialmente mais” que 45 milhões de assinaturas globais, dado que tem sido comentado no mercado. 

Em troca, a Liberty vai receber 40% a mais por temporada do que a Disney oferecia – algo entre US$ 140 e US$ 150 milhões, diz The Hollywood Reporter. A Apple quer usar a F1 como atrativo para seu ecossistema de conteúdo e serviços, em uma jogada de retenção e de marca. E será um parceiro muito mais empenhado na divulgação, já que a categoria será estrela do catálogo, não apenas atração secundária.

Ou seja: a Apple pode perder em alcance imediato, mas ganhar em valor de longo prazo com monetização direta do fã hardcore – tendência crescente na indústria, ao estilo Taylor Swift. Além disso, garante um evento que começa em março e termina em dezembro – algo que pode ajudar a diminuir o churn (rotatividade de assinaturas), um problema grande para eles.

Sim, a Liberty abriu mão de um ponto de descoberta para novos fãs, mas os milhões a mais compensam. Até porque, vamos combinar, quem tem sido a entrada no esporte a motor é a Netflix – algo que a MLS, que caiu em audiência após migrar para a Apple TV, não tem.

Curioso: a Netflix está formando público para a Apple. Quem diria?

Agora, há um grande ponto frágil: uma futura fadiga de Drive to Survive. Se isso acontecer, a F1 vai se ver presa em um belo castelo por cinco anos…